O medo e o yoga

O Ashtanga Vinyasa é uma tradição que demanda dedicação para florescer. Realmente, ela foi feita para ser uma prática pessoal e dentro do nosso próprio ritmo. Contudo, tenho visto pessoas com medo no primeiro contato com a tradição. Eu me refiro a uma primeira experiência, quando apenas aprendemos a respirar e as noções básicas do que é. 

Quando penso nos meus primeiros dias, não lembro de ter medo. Mesmo porque eu não fui muito longe na primeira aula e nas outras seguintes (risos). No geral, eu tive uma boa impressão: eu vi um método intuitivo para aprender Hatha Yoga e gostei de como ele era apresentado. Outras experiências que tive em artes marciais também não foram marcadas por lembranças de medo.

Porém, posso imaginar alguns motivos para se ter medo como a fraqueza física, experiências traumáticas ou má impressão nas redes sociais.

Fraqueza física

Como escrevi anteriormente, Ashtanga é exigente. Entretanto, a experiência na aula é sempre própria para a nossa condição. O yoga como um todo deve nos tornar mais leves e felizes depois da prática e, se não está assim, temos um problema. Há um método para se apresentar o sistema e ele considera a bagagem de cada um. Todos os professores devem ter isso em mente.

Por outro lado, quando há um processo de recuperação, ainda com dores de um acidente, temos que nos observar para saber se estamos aptos ou não para o tipo de atividade. Sempre devemos ser sinceros conosco. Uma possibilidade é simplesmente fazer pranayamas e algumas posturas adequadas até se recuperar.

Experiências traumáticas

Há o caso em que a postura dentro da série desenterra um medo. Isso é bem comum, como o medo de cair em inversões. Esses medos são barreiras mentais/emocionais para a nossa experiência e são partes do processo de aprendizado. Então, devemos encarar esses obstáculos como um estímulo para nos tornamos mais fortes. Além disso, há muitas estratégias para entrar em contato com essas barreiras de um modo mais brando.

Impressão das redes sociais

Nós estamos em uma era que a divulgação do yoga chega até as pessoas pelas redes sociais. Os principais agentes são professores, blogueiros, influenciadores e vendedores de produtos. No meio desse vasto campo, se deparar com propagandas de pessoas perfeitas em posturas difíceis pode ser bem intimidador para alguns. Mas devo lembrar que, como sou aluno também, vejo uma grande variedade de pessoas seguindo a tradição. Vi isso nos workshops que fui. Essas pessoas ditas perfeitas são apenas uma parte do público e não o seu alvo.

É importante sempre lembrar que uma boa aula de yoga saberá apresentar o conteúdo em níveis e com um método. Não é algo que temos que saber do berço, como que um dom dado por Deus. Se fosse assim, não precisaríamos de professores, não é?! O método do Ashtanga envolve um olhar sobre o que o aluno pode executar naquele dia. Na verdade, talvez ele só aprenda a respirar e algumas saudações ao sol no primeiro contato.

Além do mais, temos uma parcela física e uma mais sutil na atividade. Parte da terapia com as posturas é digerir os sentimentos que elas nos proporcionam. Alguns asanas nos exaltam, deixam mais confiantes e outros, nos confrontam. O enfrentamento contínuo dos obstáculos e na medida certa nos leva a tolerância dos nossos resultados. Então, esta atitude de prosseguir com o trabalho nos deixa mais fortes internamente também.

Conclusão

Qualquer atividade com o corpo reflete muito do que temos dentro de nós. Aspectos como a nossa auto-imagem e o tipo de caminho pela frente são levados em conta na escolha. Por exemplo, se uma pessoa tem uma questão com o seu próprio suor ou com o movimento, certamente não vai gostar do Ashtanga.

Por fim, o Ashtanga é uma tradição que ensina ferramentas que podem abrir portas para as demais partes e caminhos do yoga. Não tem fim em si mesma. Com isso, os medos que podem vir com a prática podem ser uma oportunidade para nos tornarmos mais fortes e até resolver algumas pendencias em nosso inconsciente.

O que é Hatha Yoga?

O Hatha Yoga é uma entre as diversas escolas e tradições baseadas no yoga da Índia antiga. Apesar de sua boa divulgação hoje, é importante afirmar seu significado e objetivos para uma melhor compreensão. Neste espaço, compartilho um pouco sobre os seus fundamentos e contexto histórico.

O que significa?

Uma interpretação da palavra ‘hatha’ pode ser tomada pelas suas sílabas:  ‘ha’ representa a nossa energia ativa e de expressão, também chamada de solar; e ‘tha’, a nossa contraparte passiva e introspectiva, conhecida como lunar. A energia solar diz sobre a nossa interação com o mundo e a lunar, nos leva a introspecção. Outro significado é encontrado na palavra sânscrita ‘hatha’ como ‘pela força’, que indica a parte física dentro do processo do yoga. 

Os textos antigos que abordam os fundamentos, como o Hatha Yoga Pradipika, incentivam práticas que equilibrem esses dois lados. O equilíbrio compreende a capacidade de interagir com o mundo e de digerir as informações dos sentidos. Consequentemente, desenvolvemos o equilíbrio mental, emocional e firmeza interior, mesmo frente a situações adversas.

Com isso, são tradições que usam ferramentas como o corpo, a respiração, e a mente para induzir um estado de auto-controle e harmonia interior.  

Uma atividade de bem-estar e apoio espiritual.

O uso do corpo para as práticas de posturas e da respiração é proposital no hatha yoga. Como o corpo e a mente são um nós precisamos de harmonia entre eles para ter saúde. Quando não estamos bem, dificilmente temos a clareza mental para lidar com os assuntos mais sublimes. Logo, os benefícios da prática que experimentamos se propagam por outras áreas da vida também. Inclusive o nosso caminho espiritual. 

A combinação de asanas e pranayamas são conduzidas para promover uma limpeza interna. Enquanto as posturas chamam a atenção para as partes do nosso corpo, os pranayamas lidam com a nossa mente. Ambos limpam os os canais sutis de energia que existem em nosso corpo, de acordo com a fisiologia sutil do yoga. A partir daí, o prana, a energia cósmica, flui livremente e temos saúde física, equilíbrio mental e discernimento. Juntos são um remédio antigo para aliviar as nossas ansiedades e nos tornar mais tolerantes com as dualidades da vida. 

A partir da limpeza interna, também adquirimos força para questionar hábitos e pensamentos tóxicos. Nesse ponto, a prática se torna uma terapia, pois sentimos a harmonia decorrente do processo e queremos manter esse estado. Logo, nos deparamos com as escolhas da vida e percebemos como elas são importante para isso.

Desse modo, essa é uma abordagem que parte do físico, da matéria, e que nos ensina a ser mais conscientes e nos prepara para uma viagem interior.

Um contexto histórico

Há uma dificuldade histórica para determinar a data certa de quando surgiu o yoga ou suas vertentes. Isso pela sua origem em um tempo em que não havia a palavra escrita e valorizava-se a tradição oral.

Algumas vertentes do Hatha Yoga que ainda estão em voga hoje foram influenciadas por uma linhagem de ascetas chamada Nath. Estima-se que essa comunidade alcançou um auge no século XIV e XV e passaram por um declínio até século XVIII. Eram conhecidos por usar uma combinação de asanas e pranayamas para a elevação espiritual. Os asanas eram introduzidos primeiro, como um instrumento de purificação do corpo e para torná-lo imune a doenças; os pranayamas, por sua vez, eram abordados após uma maturidade no caminho e como um fundamento para a meditação. 

Hoje em dia, os textos deixados por essa tradição são bem respeitados pela comunidade. Como uma herança cultural, o hatha yoga vem permeando a sociedade e ganhando adeptos; passou a ser entendido como uma prática independente de um meio religioso; sem a obrigação de levar um estilo de vida ascético, ou de usar um tipo de roupa. Para isso, houve uma mudança de olhar sobre a disciplina para que a sociedade moderna a aceitasse. Inclusive, os acadêmicos acrescentam o termo “moderno” para definir o período atual do yoga. Alguns grandes professores que fizeram parte dessas mudanças são: T. Krishnamacarya e seus discípulos, como Pattabhi Jois e B.K.S. Iyengar, Swami Shivananda e outros.

Conclusão

O yoga se apresenta muito amplo e cada um extrai lições de acordo com a sua consciência. Há pessoas que se apaixonam pela parte física; outras, pela meditação ou canto de mantras, e há também os que gostam de estudar. Isso parte da nossa constituição única, do karma e da cultura. O ponto importante do Hatha Yoga é reconhecer que há meios de preparar a nossa consciência através de atitudes e também de ferramentas.  

O que é yoga?

A medida que o yoga é amplamente difundido no mundo através das posturas físicas surge o debate sobre a sua essência e se aquilo que fazemos está alinhado com o conceito. 

A palavra yoga tem origem na raíz sânscrita yuj que significa conectar, unir ou ligar. Em textos antigos é usada para se referir às habilidades e disciplinas que nos ajudam a se conectar com nossa essência. Também é usada no sentido de “estar agindo da forma certa” ou “estar em sintonia”. Para que isso aconteça, precisamos estar alinhados com os objetivos do caminho. Então, chegamos a um tema central para o yoga: lidar com a mente.

A definição de Patanjali

A mente pode ser uma companheira ou a nossa inimiga. Quando é companheira, nos ajuda a realizar nossos projetos de uma maneira virtuosa e tranquila; Quando não, nos causa sofrimento. Para que ela seja a nossa amiga, precisamos de força interna e discernimento sobre os nossos desejos. Esse é um ponto comum para todos, sem barreiras de cultura ou crenças.

Há uma definição útil encontrada no Yoga Sutra do sábio Patanjali:

yogaś citta vṛtti nirodhaḥ (Y.S. 1.2)

Há três palavras importantes nesse aforismo: citta significa mente, inteligência ou ego; vṛtti, variações ou funções; e nirodhah, restringir ou controlar. Isso nos diz que yoga resulta em controle ( nirodhaḥ ) das variações ( vṛtti ) do ego, mente ou inteligência (citta). Uma consequência dessa definição é que tudo o que passa pelos nossos sentidos e nos alimenta de alguma forma, mesmo que inconscientemente, e perturba o citta não pode ser compatível com o caminho do yoga.

Outro ponto é que são atitudes nossas que fazem a conexão (yoga) e não a realidade que o mundo nos impõe. De fato, o mundo de hoje provoca muita interação sensorial que estimula e prende a nossa atenção: a realidade de trabalho, o lugar para morar e exigências sociais podem trazer mais dificuldades para controlar os vrttis. Isso pede uma dose de autoanálise para equilibrar a vida de acordo com as as possibilidades para ter sucesso no yoga. Tendo isso em mente, questionar os fundamentos do que estamos fazendo com base nessa definição simples do Y.S. é importante para entender o que está acontecendo conosco.

Yoga é algo interno

O yoga, como afirmamos aqui, é algo interno e devemos utilizar os meios que são compatíveis conosco para esse caminho. O trabalho com as posturas que são divulgados em uma aula de Hatha Yoga são formas terapêutica de atender as necessidades de bem-estar do corpo em conciliação com o desenvolvimento de virtudes e qualidades que nos permitam viver com sinceridade e paz interna. Esses são elementos necessários para desenvolver a conexão (yoga) dentro de nós e podem ser obtidos de diversos meios. Portanto, o aspecto físico não tem fim em si mesmo mas é uma ferramenta que utilizamos.

Por fim, é importante notar que essa é uma trajetória que lida com o crescimento pessoal e, obviamente, geram algum desconforto.